A principal característica do Sars-CoV-2, vírus da Covid-19, imitada pelas vacinas é a proteína spike (espícula), um antígeno, molécula que estimula o sistema imune a reagir, enviando anticorpos para atacá-la

Por Rafael Garcia

Por Marcos Lima Mochila

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Com a emergência de mais variantes do novo coronavírus, cientistas estão preocupados em saber o quanto elas serão capazes de escapar da proteção gerada pelas vacinas de Covid-19. Para entender como pesquisadores e indústria estão se preparando para o caso disso acontecer, a reportagem conversou com dois imunologistas, o brasileiro Ricardo Gazinelli, da Universidade Federal de Minas Gerais, e a americana Laura Walker, da empresa de biotecnologia Adimab, para elucidar questões cruciais do problema:

Por que novas variantes podem se esquivar da imunidade criada pelas vacinas?

Vacinas são como partículas “fantasiadas” de vírus que ensinam o sistema imune a reconhecer o patógeno e o estimula a atacá-lo. Quando surge uma nova variante do vírus, pode ser que suas diferenças comprometam esse reconhecimento.

A principal característica do Sars-CoV-2, vírus da Covid-19, imitada pelas vacinas é a proteína spike (espícula), na superfície do vírus. Ela é o antígeno, molécula que estimula o sistema imune a reagir, enviando anticorpos para atacá-la.

Como está sendo monitorada a resposta das vacinas a essas variantes?

Pesquisas in vitro estão simulando a imunogenicidade (capacidade que uma vacina tem de gerar uma resposta imune) a diferentes cepas do vírus em laboratório. Além disso, são monitoradas pessoas que receberam diferentes imunizantes.

Walker, da Adimab, estudou como a imunidade gerada pela versão original do Sars-CoV-2 se saiu contra as novas cepas.

— Vimos que mais da metade dos anticorpos não reconheceu a proteína espícula das variantes que emergiram na África do Sul e no Brasil — diz a pesquisadora.

Estudos que acompanham os vacinados ainda são poucos e não possuem repostas definitivas.

Se a vacina não responder ao vírus novo, o que pode ser feito?

Seria necessário mudar o antígeno da vacina. Para isso, uma mesma “plataforma” (a estrutura básica de produção da vacina) pode ser mantida, e são trocadas as amostras de vírus nas quais ela se baseia.

“A tecnologia da plataforma pode ser adaptada conforme necessário”, informou em comunicado a AstraZeneca, cuja vacina se mostrou menos eficaz contra a variante sul-africana. “Isso seria testado em estudos pré-clínicos e, em seguida, em pequenos ensaios de imunogenicidade antes de ser submetido à revisão regulatória.”

Quais vacinas podem ser corrigidas de maneira mais prática para capturar as variantes?

As vacinas que usam como antígeno apenas o RNA, material genético do vírus, são as mais fáceis de se adaptar. É o caso da Pfizer, que cogita criar formulação para uma terceira dose.

“Vamos avaliar a aplicação de mais um ‘booster’ no regime atual da vacina e nos preparar para uma adaptação rápida da vacina contra novas variantes”, afirmou Ugur Sahin, presidente da BioNTech, parceira da Pfizer no desenvolvimento da vacina.

Vacinas como a CoronaVac, porém, usam um vírus inteiro inativado (morto) como antígeno. Nesse caso seria preciso produzir o ingrediente ativo da vacina com amostras das novas variantes do Sars-CoV. É um processo que, para as vacinas de gripe, já é feito anualmente.

Já para a vacina Oxford/AstraZeneca, o processo de adaptação pode ser mais complicado. Esse imunizante é feito de um adenovírus, um outro gênero de patógeno, que é modificado para carregar a proteína espícula do coronavírus. Seria preciso recriar essa criatura híbrida.

É possível uma vacina só combater várias variantes, incluindo as que venham a surgir?

A princípio, sim. Para obter essa proteção mais robusta, é preciso escolher como antígeno uma proteína do vírus que esteja associada a um trecho do genoma do Sars-CoV-2 pouco propenso a sofrer mutações. Uma vacina experimental no laboratório de Gazzinelli teve bom resultado usando essa estratégia em cobaias.

— Estamos trabalhando em uma vacina que inclui parte da proteína n, do núcleo capsídeo do vírus, a mais abundante dele — conta o cientista. Outras vacinas que buscam o mesmo objetivo, porém, também estão ainda em fase pré-clínica de pesquisa.

Quando tomar a decisão sobre trocar ou não a vacina em uso?

A decisão de mudar a fórmula de uma vacina e atrasar a produção de um imunizante precisa ser tomada com cautela.

Talvez as novas variantes atrapalhem a eficácia geral das vacinas contra reinfecção, mas o imunizante continua protegendo contra a forma grave da doença. Nesses casos, o transtorno de trocar o antígeno pode não valer a pena.

— Acredito que a maioria das vacinas ainda vai continuar protegendo contra a doença severa — diz Walker, da Adimab.

Em seu último estudo, ela analisou as células B, importantes para a memória do sistema imune, para ver como elas reagiam à introdução da variante de Manaus após terem memorizado a versão clássica do vírus. Cerca de 30% das células reconheceram o novo subtipo do patógeno, o que talvez seja suficiente.

— A mensagem mais importante, agora, é que as pessoas precisam se vacinar — diz a cientista, explicando que a versão clássica do Sars-CoV-2 ainda é a responsável pela a maior parte das infecções na pandemia.

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