Por Magno Martins

Estava catando no Google uma imagem do Rio Pajeú, um dos mais secos do mundo. O que ele tem em carência do líquido que nos mata sede sobra em abundância na inspiração poética para os que beberam na fonte a sua água barrenta, cheia, no entanto, de pureza renovadora da alma e do espírito. Confesso que olho em sua direção ao florescer de cada dia de renovação da vida.

Olho da minha cama silenciosa, tão silenciosa pelo brilho do sol quanto pela madrugada que se despede deixando saudade. A vida é permanente renovação. Não importa onde você parou ou em que momento você cansou. Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo. Meus olhos alcançam sempre águas pajeuzeiras que vão jorrando poesia com métrica ou de verso quebrado.

São os versos soltos que pululam do leito seco a despejar no São Francisco passando pelo Riacho do Navio, como cantou Luiz Gonzaga, que soltam gotejos de rima. No Pajeú, o povo não fala, canta poesia. Cada sotaque, um trocadilho. Aboios? De preferência os que rasgam a alma de cima para baixo fazendo a circunferência do amor, o triângulo da saudade.

A saudade é um parafuso que quando a rosca cai só entra se for torcendo porque batendo não vai. Mas quando enferruja dentro nem distorcendo não sai, cantou Antônio Pereira. De tempos em tempos, nos últimos dias de pandemia, um sentimento bom vem me visitar. É uma saudade intensa, mas gostosa de sentir. Uma saudade inespecífica de um momento qualquer. É uma lembrança de que a vida sempre foi boa.

Minha saudade do Pajeú das flores vem nas horas menos esperadas. Ela chega sorrateira e da mesma forma vai embora. Eu nem consigo sofrer, porque só fica a sensação gostosa de ter por perto novamente suas águas a jorrar. Eu sei que é assim, porque é assim que a alma pede, o espírito implora, o coração fica a latejar.

Cantarolando Antônio Pereira eu diria que
a saudade que me visita em tempos de pandemia é apenas uma sensação, uma coisa tão breve e suave que eu nem consigo absorver direito. É apenas um abraço rápido na alma. Já ouvi por aí que saudade traz tristeza e melancolia. Devo ter sorte de ter uma saudade que só me traz alegria, afinal, quando ela chega, eu sinto o Pajeú mais próximo de mim.

Mas voltando à imagem do Google, pareceu o poço de Benedito. Quem nunca tomou banho no poço do meu tio Benedito que atire a primeira pedra. De tanto mergulhar nele, sem saber nadar direito, quase perco a vida. Fui salvo por Beto de Miguel Jacó, que adorava uma pescaria e que nos trocou cedo pelo Rio de Janeiro, que continua lindo.

Meu tio Benedito, irmão do meu pai, era uma figura estranha, mas adorável. Não teve filhos. Vivia pedindo a papai para adotar Marcelo, meu irmão colado a mim, um ano apenas de diferença. Marcelo e eu éramos fregueses do restaurante de tio Benedito, a melhor e mais saborosa galinha de capoeira de Afogados da Ingazeira. Que vinha acompanhada de um arroz mexido irresistível. Depois do passeio na praça e das paqueradas a gente invadia o point de Benedito.

Moleque, eu enchia tanto o saco de tio que um dia ele me expulsou jogando uma bacia de água quente sobre o meu corpo. Vivia a prestar queixas de mim a papai. Seu doce de leite era um manjar dos deuses, daqueles que de tão duro colavam na cumbuca, a gente revirava pelo avesso e o bicho não desgrudava um milímetro.

Tempos bons que não voltam mais! Com o tempo aprendi que as coisas mudam. Que os momentos bons não voltam. Que arrependimento não mata. Que dores passam. Que amores vem e vão. Que estar apaixonado é bom. Que sofrer nos fortalece. Que cair sempre deixa uma cicatriz. Que nos levantamos de um tombo sempre mais fortes.

Que fazer loucuras faz parte. Que ser feliz não é difícil. Que esquecer é uma questão de opinião. Que deixar partir o que nunca foi nosso é um dos aprendizados mais dolorosos. Que lutar, não exige força e sim coragem. Que sorrir é o melhor remédio. Que quem diz que eu sou fraco, não seria capaz de chorar as minhas lágrimas nem viver a minha vida.

Que quem muito diz que odeia é porque não foi capaz de colocar um fim no amor. Que acreditar ou desacreditar é uma questão de opinião. Que dinheiro não é tudo. Que tudo tem seu tempo determinado. Que o que foi, volta sim. Que vingança ensina a viver. Que as pessoas mudam. Que destino existe. Que o tempo é sim, o senhor da razão.

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