Por Emílio Duarte*

Passado o período eleitoral, venho sendo demandado, quase que diariamente, por vereadores e ex-candidatos, em face dos quais foram ajuizadas Ações de Investigações Judiciais Eleitorais (AIJE) ou Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), com fundamento na suposta prática de fraude no tocante ao atendimento da política de afirmação para participação da mulher nas eleições, como o imperativo legal de reservar, no mínimo, 30% (trinta por cento) das vagas dos partidos para disputa ao cargo de vereador, conforme dicção do art. 10 § 3° da Lei das Eleições.
É cediço que, pós eleições de 2016, quando era permitido aos partidos realizarem coligações para disputa proporcional, algumas ações chegaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em sede de RESPE (recurso especial eleitoral), nas quais as referidas coligações não tiveram seus votos contabilizados, ou seja, zerados, e como consequência, a cassação dos respectivos mandatos eletivos, bem como a recontagem dos votos e redistribuição das cadeiras nos legislativos municipais.
Analisando detidamente os casos em que a Justiça Eleitoral julgou procedente as retromencionadas ações e assim declarando a fraude no preenchimento das vagas para a disputa naquele pleito, podemos observar que algumas condutas pululam, destarte, podemos ressaltar a hipótese das eleições de um determinado município, em que a cunhada de um vereador de mandato que disputou a reeleição teve a sua “candidatura” escrita na chapa com o fito de apenas e tão somente “completar” o mínimo exigido para o seu respectivo sexo.
Observando-se o conjunto probatório e provas acostadas aos autos, ressoa translucido que efetivamente a suposta candidata jamais realizou qualquer ato de campanha, não demonstrou nem apresentou propostas nem sequer pediu votos aos eleitores, o que é ínsito a uma campanha eleitoral. Ao contrário, demonstrou-se que a referida candidata participou ativamente da campanha do seu cunhado, aliado ao fato de que a chapa foi organizada por este. De outra banda, neste caso, demonstrou-se à evidência, que a aludida postulante ao pleito apenas constou na relação de candidatas no fim no desiderato exclusivo de preencher o mínimo necessário para que o DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários) da coligação viesse a ser deferido.
Todas as vezes que a justiça eleitoral se debruça sobre determinados questionamentos, advindos de novas exigências, por ocasião das alterações legislativas, mudança de entendimento ou até mesmo em caso de anomias jurídicas, todo o sistema eleitoral aguarda pela fixação da interpretação dada pela maioria nos seus julgados, ou seja, a formação do entendimento majoritário sobre o tema.
Não foi surpresa o elevado número de demandas judiciais, oriundas das eleições de 2020, após os primeiros julgados em Brasília, por parte do TSE, sobre esse tema. Recentemente, em fevereiro de 2021, na cidade de Joinville, Santa Catarina, a Justiça Eleitoral, em sede de juízo zonal, proferiu decisão que teve o condão de cassar a chapa de vereadores de dois partidos, em sua totalidade, e, como consequência, dois vereadores eleitos, que, em menos de dois meses na investidura no cargo, agora tem contra si uma sentença cassando seus respectivos mandatos. In casu, verificando o depoimento de uma suposta candidata, de um dos partidos, a mesma confirmou, perante o juiz da zona eleitoral, que jamais teve a intenção de se candidatar, que apenas teria aceitado a sua inclusão na nominata do partido após a promessa da direção de que ela receberia a quantia de R$ 10.000,00(dez mil reais) a fim de que a agremiação partidária fizesse o uso de seu nome como uma das suas “candidatas”.
Insta observar que, como de se esperar, com algumas ações aos poucos sendo julgadas procedentes, muito suplentes já planejam como irão agir ao assumirem seus tão almejados cargos de vereadores mesmo sem obterem sucesso nas urnas, mas clamam pelo sucesso processual. Sempre que procurado, aconselho cautela e, por opção profissional e fidelidade à minha formação,  sempre venho atuando como defensor dos mandatários eleitos, ou seja, a favor daqueles que se encontram no polo passivo das demandas, isto porque  entendo que fraudar o pleito eleitoral, independente da forma, não é salutar para democracia, não condiz com o objetivo de todo nosso microssistema eleitoral, que visa a paridade das armas, o menor distanciamento possível em cada eleição que se realiza, dentre os que disputam com mais recursos e os que disputam com menos poder econômico, para que toda a sociedade possa se sentir representada no executivo e sobretudo no parlamento e se torne cada vez mais justa, fraterna e igualitária.
Provocado a me pronunciar sobre o tema, assevero que a questão não deve ser analisada de forma genérica. É de extrema temeridade analisar-se objetiva e unicamente a ínfima quantidade de votos atribuída a determinada candidata e, a partir daí já se presumir a fraude. Não. O Direito não é uma ciência exata. A suposta fraude deve ser comprovada, e a própria instauração de uma ação judicial merece um mínimo indício de que houve burla ao sistema eleitoral.
De outra banda, não basta ter pouco ou nenhum voto para declarar que houve fraude e se anular toda a votação da nominata de um partido. Há que se analisar caso a caso, quais as circunstâncias que levaram àquelas votações, se existem no bojo, no conjunto probatório do processo elementos que realmente demonstrem, indiquem, levem a justiça eleitoral a formar o convencimento acerca da burla aos regramentos para a oficialização dos candidatos proporcionais.
Nesse diapasão, interessante registrar que as inúmeras e diversas situações que as nossas mulheres candidatas estão submetidas quando da disputa dos pleitos eleitorais. As mulheres, em sua grande maioria, possuem muito mais jornadas de trabalho do que nós homens, e só para exemplificar, também não deixam de ser mãe no curso da campanha.
Digo isso porque muito nos emocionou um caso emblemático no qual o nosso escritório jurídico atua, onde uma candidata obteve apenas dois votos, oportunidade em que fomos contratados pelo partido a fim de patrocinarmos a defesa da chapa com um todo. Na ocasião, quando de uma primeira entrevista com a referida candidata, a mesma, com os olhos marejados, nos apresentou um atestado de óbito de seu filho, que morrera no mês que antecedeu às eleições, ou seja, outubro de 2020, antes do proibitivo de realização dos atos presenciais de campanha.
Nesse exemplo, operou-se o que chamamos no direito de desistência tácita, ou seja, é claro que a candidata desistiu da sua empreitada eleitoral, só não o fez oficialmente junto à Zona Eleitoral que tinha a competência do seu Registro de Candidatura. E não se pode afirmar jamais que houve burla ou fraude ao sistema eleitoral.
Ainda nessa toada, a imprensa de forma exaustiva veio a informar o valor do chamado “Fundo Eleitoral” e a obrigação mínima dos 30 % (trinta por cento) para as candidaturas femininas. Em um outro município de nossa atuação, por exemplo, o partido resolveu, não se sabe por estratégia do Diretório Estadual ou Nacional, não enviar nenhum recurso do Fundo para as mulheres, e muitas delas ao tomarem conhecimento dessa decisão, cujo entendimento da justiça eleitoral, é que é matéria interna corporis, também optaram em não mais continuarem seus projetos de candidaturas.
Enfim, como vimos alhures, existem uma infinidade de probabilidades que ao cabo desencadearam em uma votação baixa, ou ainda, sem nenhum voto nas urnas por partes das candidatas femininas, há que ser objeto da instrução processual a elucidação dos fatos, para declarar ou não a existência de fraude na formação da chapa de vereadores e vereadoras por parte do partido, repito, terá sim a Justiça Eleitoral de analisar as provas carreadas aos autos, ouvir as candidatas, as testemunhas, os dirigentes partidários e todos os demais envolvidos, bem como buscar outros meios de prova que levem a  corroborar com a tese dos autores.
Em suma, reiteramos que nem toda votação insignificante é fruto de fraude, e o próprio TSE já firmou entendimento nesse sentido de que a votação insignificante, por si só, não tem o condão de tipificar a fraude no preenchimento das cotas femininas. Quem viver verá.

*Advogado eleitoralista, membro da Comissão Nacional de Direito Eleitoral do CFOAB/DF, secretário-geral da Comissão de Direito Eleitoral do IAP/PE

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