Por Evaldo Costa e Helder Remigio de Amorim

Rememoro Tarcisio Pereira. Vejo-o caminhando entre as prateleiras da Livro 7. De camisa azul, boina e farto bigode, folheia livros enquanto apascenta seu rebanho de escritores e leitores, servindo ciência e poesia.

Todo recifense – de nascença, adotivo ou de passagem – já recebeu ao menos um livro das mãos de Tarcísio, reitor de uma universidade de portas escancaradas. Com coragem e paixão, construiu sua gigantesca livraria, recifensemente conhecida como “a maior da América Latina”.

No grande teatro do mundo, onde os personagens entram pela porta da vida e saem pela porta da morte, raros como Tarcísio deixam marcas tão profundas.

A Livro 7 foi o Aleph de Tarcisio, um ponto onde o universo inteiro estava contido, magicamente condensado em ideias, palavras e sonhos. Convergência de múltiplos saberes, foi casa de debates quentes e conversas amenas. De politica e de carnaval.

Quem passa hoje pela Rua 7 de Setembro é impactado pela dor da ausência. Onde havia a Livro 7 e seus bares-satélites há agora somente o vazio. Fica assim? Retribuiremos com esquecimento tudo o que Tarcísio nos legou?

O patrimônio histórico de uma cidade pode ser avaliado observando os espaços, monumentos e edificações que testemunham a cultura material de sua gente. Da mesma forma, a sociedade é definida pelo que cantam e dançam os que a componhem. Pelo que comem e bebem, como se vestem e do que riem.

O centro do Recife forma um conjunto arquitetônico de imenso valor histórico. Temos Palácios e sobrados, fortalezas e ruínas. Há o Circuito da Poesia com Ascenso, Ariano, Carlos Pena, Capiba, Bandeira e outros. E há Chico Sciense e Clarice.

Mituram-se herois, mártires e foliões. Aqui Nabuco chicoteia a escravidão. Ali o monumento Tortura Nunca Mais (re)lembra as vítimas dos crimes cometidos pelo Estado Brasileiro durante a ditadura civil-militar.

Mas é preciso ampliar os horizontes.

“Quando um homem morre é como se uma biblioteca inteira se incendiasse”, diz um antigo provérbio árabe. Em poucos momentos da história do Recife essa frase fez tanto sentido.

Em tempos duros de ataques aos livros, à ciência, aos intelectuais e principalmente, ao conhecimento, o legado de Tarcísio precisa ser continuamente revivido e valorado. A sua Livro 7 é um símbolo de resistência.

Precisamos lutar para que Tarcísio tenha uma estátua que o represente entre as que celebram a memória de grandes artistas pernambucanos.

Não se quer com isso aprisionar o tempo ou a memória. Mas eternizar Tarcisio como um símbolo poderoso na luta em defesa da liberdade, da verdade e da cultura. Não há modo melhor.

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Evaldo Costa é jornalista
Helder Remigio de Amorim, historiador, é presidente da ANPUH-PE

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