A sociedade brasileira vem sendo bombardeada por propaganda subliminar de diversas naturezas desde há muito, notadamente em razão do seu estágio de desenvolvimento cultural. Diversos fatores conduzem a mídia e seus múltiplos veículos de difusão, orientados por interesses econômicos, políticos e até ideológicos, na direção de um só propósito: a manipulação das massas. Os objetivos dessa prática estão quase sempre associadas ao entretenimento pacificador de um auditório multifacetado, em si mesmo potencialmente explosivo, mas pouco reflexivo e menos ainda crítico. Por isso suas finalidades nem sempre representam propósitos nobres que trabalham pela elevação da população brasileira. Tudo isso se passa, além do mais, mediante concessão pública, a qual, julga-se, deveria ser bem mais criteriosa na distribuição dos permissivos do Estado.

Sobre isto, com ou sem cena polêmica, os folhetins televisivos no Brasil (novelas), por exemplo, são comumente veneno letal à formação do povo, pois o seu princípio ativo segue sempre ocultado, omitem-se as suas razões expressas na liberdade da trama bem desenhada pelos seus autores e demais protagonistas sem ao menos um alerta sensível sobre tratar-se de obra de ficção, capítulo após capítulo, novela após novela, aliás, repetidamente. Tudo isso que ingressa como elemento lúdico no seio das famílias nos horários mais nobres diz com a manipulação dos auditórios e gira, muito marcantemente, em torno da quebra dos valores tradicionais (sob escólio do cotidiano) e também de uma verossímil “revolução cultural” que atenda aos interesses de grupos hegemônicos, produza moda e riqueza de alguns, e nada diga com emancipação popular e liberdade. Em síntese: entretenimento fora da curva pedagógica.

Os noticiários, outrossim, seguem pela mesma trilha, refletindo os interesses dos donos da mídia, em consórcio ou não com diversos outros segmentos sociais. Resulta que a produção da informação tende ao corporativismo e não exatamente à verdade. A notícia acaba prestigiando uma militância de matiz diversificado e diversificável (pelos interesses envolvidos a cada cenário) em lugar da informação. Desse modo, os meios de comunicação tradicional perderam em grande medida o seu papel social e essa é a melhor explicação para o advento das redes sociais, sobretudo no Brasil. A comunicação em tempo real passou a exercer um fascínio muito grande entre as pessoas ávidas por conhecimento, ainda que sofram riscos como os que resultam de uma impropriedade que se convencionou denominar mundo afora de “fake news”. Na relação custo-benefício, esse risco não é mais deletério do que estar submetido aos enlatados televisivos que desinformam, agridem e ofendem, manipulando a tudo e a todos em detrimento da construção do povo e do seu crescente aprimoramento sóciocultural.

A pretexto da liberdade de expressão, aliás, alguns produtos, autoproclamados artísticos e por esses meios divulgados publicamente, podem ser tomados como criminosos, como quando se viola o sentimento religioso da cristandade, fundamento formativo da sociedade brasileira, um de nossos mais sagrados pilares. Ora, não há licença poética para se cometer crimes. Isto é elementar numa sociedade tipicamente civilizada. Todavia, a mídia insiste em ultrajar esses valores, ora expressa ora subliminarmente.

Além do mais, diante de uma consistente tecnologia empregada, da instrumentalização e da banalização das artes, por forma a estandardizar idéias, sentimentos e vontades, bem como a competência de seus operadores bem pagos, os auditórios vão sendo forjados ao ponto de misturarem ficção com realidade, verdade com narrativa, o tempo inteiro.

Com isso, desgraçadamente, as possibilidades de cristalização de uma identidade nacional vão se diluindo no éter das virtualidades puramente imaginárias, das dissertações canhestras e dos subterfúgios, das ilusões, da quimera e da perfídia, mas que são capazes de operar, entre nós, repercussão inapelável, dolorosamente maquinada com o fim manipulador, no cenário social efetivo, à falta de um sistema formativo de qualidade para as massas, sobretudo nas primeiras fases da escolarização.

Só para se ter uma ideia do absurdo a que estamos todos submetidos no Brasil, a programação lúdica da TV aberta na Finlândia, onde morei, por exemplo e salvo engano, não é transmitida nos horários regulares da escola de tempo integral para todos. O povo finlandês constitui uma das sociedades mais cultas e menos corruptas do planeta!

Os brasileiros merecemos mais do que temos à nossa disposição, porque olhamos para os que não são em potência e vemos o tanto que não temos. Chega a ser trágico que a maioria de nossa gente não se dê conta disso… A circunstância pode refletir parte do efeito que resulta da vertiginosa diluição da identidade nacional, trocada, amiúde, por futilidades, frugalidades e uma vida banal, quer no coletivo quer no individual. A cretinice se tornou, por isso, uma instituição abaixo do equador, a que muitos denominam de “Lei de Gerson” (levar vantagem em tudo, nada obstante a ética).

Esta reflexão, é evidente, não aponta para uma resposta exata e definitiva, mas permite sonhar. Sonhar em ver menos famílias sucumbirem ao império dos meios de comunicação de massa, de seus produtos, que degradam e expandem o sofrimento humano pela insubmissão descerimoniosa da verdade e, mais, sonhar que as pessoas não transformem capítulos pouco edificantes de novelas em pauta para o próprio comportamento ou máscara para a própria existência. Sonhar que a produção artística e cultural veiculada pela grande mídia seja somente uma expressão genuína de brasilidade para que as pessoas, ao fim e ao cabo, se entreguem à dinâmica do próprio crescimento identitário, sem reduzi-la a capítulos de novelas ou a noticiários de duvidosa veracidade.

A reflexão é provocante sem dúvida, mas é muito sonhar?

Dr. Roberto Wanderley Nogueira
Juiz Federal
Professor de Direito da UFPE

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