ERA BRINCADEIRA…
Depois de entrar raspando no 2º turno, Haddad renegará o discurso radical da primeira fase e assumirá face “moderada” na economia e “família” nos costumes
Por Eduardo Gonçalves
Para agradar à militância petista e se viabilizar como candidato à Presidência da República no lugar do ex-presidente Lula, Fernando Haddad precisou calçar as sandálias da humildade. Durante a primeira fase da campanha, o ex-prefeito de São Paulo se dobrou às diretrizes ditadas pela cúpula do seu partido, visitou Lula na cadeia semanal e religiosamente e chamou de sua “bíblia” o programa do PT, que inclui, entre outras enormidades, a revogação da reforma trabalhista, do teto de gastos e a não priorização da reforma da Previdência. Agora, com o eleitorado petista garantido e uma suada vaga conquistada no segundo turno, é hora de Haddad reencarnar o “mais tucano dos petistas” — versão talhada e disseminada por Lula com vistas a ajudar o professor universitário a agradar ao paladar do eleitor mais moderado. É uma guinada e tanto, mas o PT sabe que não tem tempo para metamorfoses mais sutis.
Com desvantagem de 18 milhões de votos no primeiro turno em relação a Jair Bolsonaro (PSL) e poucas chances de virar o jogo, Haddad tentará se aproximar do eleitorado de centro – aquele que não simpatiza com o PT, mas repudia com vigor o extremismo do deputado. Para atrair esse público, passará a priorizar pautas de segurança, incluindo o fortalecimento da Polícia Federal e o endurecimento da legislação penal para homicídios.
Na área econômica, com o intuito de tranquilizar o mercado, membros da equipe de Haddad já procuraram Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, e Roberto Setubal, ex-presidente do Itaú. Em paralelo, Haddad começou a falar abertamente em instituir faixas de idade mínima para a aposentadoria, anátema para o PT até agora.
O ex-prefeito também declarou, não sem uma nota de constrangimento, que havia “revisto” a ideia de convocar uma Assembleia Constituinte para alterar a Carta Magna. Por fim, a imagem de Lula sumiu do material de propaganda, assim como a cor vermelha, trocada pelos tons da bandeira brasileira.
Haddad começará a expor seus filhos na campanha e a incorporar o discurso de segurança pública, que pregará o fortalecimento da Polícia Federal
O PT mudou a música e também o maestro – Jaques Wagner, ex-governador da Bahia e ex-ministro de Dilma Rousseff, é agora o estrategista oficial da campanha petista (o verdadeiro e extraoficial continua o mesmo e foi visitado pelo baiano em Curitiba na quinta-feira, 11).
Wagner era entusiasta da ideia de que, sem Lula, o PT deveria apoiar Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno. Mas foi desautorizado pelo ex-presidente e se concentrou na sua campanha na Bahia. Agora, volta à cena, vitorioso. Ao contrário dos correligionários Dilma, Lindbergh Farias e Eduardo Suplicy, conquistou uma vaga no Senado e ainda reelegeu em primeiro turno no governo do Estado seu afilhado político Rui Costa.
“Haddad chegou ao segundo turno como substituto do Lula, agora o Haddad do segundo turno é o Haddad”, sentenciou, ao desembarcar em São Paulo na segunda-feira, 8, por enquanto sem bilhete de volta para a Bahia. Sob a sua supervisão, desde a semana passada, emissários da campanha petista conversam com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o seu pai, Cesar Maia (DEM-RJ). Em sua estratégia para o segundo turno, o PT considerou como uma vitória as declarações de neutralidade do DEM e do PSDB, uma vez que quadros das duas siglas já haviam embarcado na candidatura de Bolsonaro.
Ciro Gomes, com um patrimônio de 13 milhões de votos no primeiro turno, anunciou “apoio crítico” a Haddad. O PT queria que ele, a exemplo do que fez Leonel Brizola no segundo turno de 1989, atuasse como aglutinador de partidos de centro nas próximas duas semanas. Ciro, no entanto, frustrou as expectativas e viajou para a Europa. Mesmo assim, o PT tenta dar ares de uma união de resistência democrática, contrapondo-se aos arroubos autoritários de Bolsonaro.
No campo dos costumes, para fazer frente ao moralismo conservador do seu adversário, Haddad está instruído a reforçar os “valores da família” – lembrando, por exemplo, que está casado há trinta anos com a mesma mulher, enquanto o seu rival já está na terceira. No domingo, no discurso depois da confirmação do segundo turno, seus dois filhos apareceram no palanque. Eles também devem estar presentes na propaganda na TV, que começa a ser exibida na sexta-feira 12. O programa vai apresentar o petista como cristão ortodoxo — incluirá, por exemplo, a biografia de seu avô libanês, que virou padre da Igreja Ortodoxa depois de enviuvar. Trata-se de um claro aceno ao eleitorado religioso que debandou para Bolsonaro. De acordo com o Ibope, 57% dos evangélicos e 41% dos católicos pretendem votar em Bolsonaro no segundo turno.
As redes sociais da campanha petista seguem o mesmo tom. A equipe de Haddad, pilotada pelo marqueteiro Otávio Antunes, passou a divulgar “mensagens de fé” em grupos de WhatsApp. “Quando alguém for violento ou incitar a violência por aí, pense: Jesus Cristo elogiou os pacificadores no sermão do monte”, diz um dos textos, que mostra a imagem de um punho fechado e em seguida um versículo de Mateus: “Bem-aventurados os pacificadores”. O material não leva nenhuma assinatura visível do PT, tampouco faz referência a Haddad, mas é parte de sua campanha e busca influenciar indiretamente o voto evangélico. Se a fé é capaz de mover montanhas, o desespero também.