Especialista explica que a brincadeira não transforma ninguém em homossexual – mas proibi-la pode gerar frustração, insegurança e ainda mais curiosidade

Ao brincar de boneca, o menino pode desenvolver capacidades e competências afetivas para cuidar de crianças e se tornar um ótimo pai (Foto: Divulgação)
Ao brincar de boneca, o menino pode desenvolver capacidades e competências afetivas para cuidar de crianças e se tornar um ótimo pai (Foto: Divulgação)

Por Marcos Lima Mochila

 

É muito comum no Brasil pais proibirem os meninos de brincar com boneca e os motivos são, principalmente, o medo da criança se tornar homossexual ou a preocupação em torno do preconceito que isso pode gerar na sociedade. Seja qual for a justificativa, especialistas em desenvolvimento infantil garantem: brinquedos não pertencem a um sexo ou gênero.

Alexandre Saadeh, coordenador do AMTIGOS-IPq-HCFMUSP (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e professor doutor na PUC-SP, fala sobre o assunto e defende que “o comportamento infantil pode sugerir, mas nunca definir orientação sexual ou identidade de gênero”.

Estudos e pesquisam apontam que crianças podem e devem brincar com o que quiserem e essa liberdade, segundo Saadeh, auxilia no autoconhecimento e na formação de adultos mais livres e mais completos. “Se o menino quiser e puder brincar com boneca, ele pode com isso desenvolver capacidades e competências afetivas para cuidar de crianças e se tornar um ótimo pai, menos machista e mais atencioso com seus filhos”, diz Saadeh.

O doutor explica que a homossexualidade só existe depois da puberdade e que antes disso seria errado afirmar que só porque o menino gosta de bonecas, necessariamente será homossexual. “Crianças não têm inclinação à homossexualidade, elas podem apenas ter noção de um interesse diferenciado pelo mesmo sexo”, conta. “O que os pais precisam entender é que o comportamento expresso nas brincadeiras não equivale a uma expressão de orientação sexual ou identidade de gênero específica. Pode não significar coisa alguma, apenas curiosidade”, completa.

Como mudar, então, a ideia de que os brinquedos acabam dividindo os gêneros? “Nossos costumes e divisões culturais é que definem os brinquedos de acordo com o sexo”, afirma. “Alguns estudos buscam comprovar que meninas buscam certos tipos de brinquedos e meninos outros. Todavia, o que deve ser respeitado e nunca imposto é a escolha que a criança faz. Ela não só pode, como deve brincar com o que quiser. A imposição de um brinquedo ou a negativa de poder brincar com outro só gera frustração, maior curiosidade, insegurança e questionamento de ser ‘normal’ ou não”, explica.

“O que os pais precisam entender é que o comportamento expresso nas brincadeiras não equivale a uma expressão de orientação sexual ou identidade de gênero específica. Pode não significar coisa alguma, apenas curiosidade”, explica Alexandre Saadeh (Foto: Divulgação)

07 05 MENINOS 1E sim, cabe aos pais não associar brincadeiras com sexualidade e, mais que isso, não achar que homossexualidade se escolhe. “Homossexualidade é algo que o indivíduo mostra indícios na infância, mas só irá se estabelecer após a puberdade, com o amadurecimento sexual”, diz. “E se for homossexual, isso não é uma escolha, faz parte de quem o indivíduo é”.

Vale aqui aquela retórica de que os filhos não devem ser um espelho do pai, mas desenvolver-se dentro de sua individualidade, trazendo dos pais o mais importante: seu caráter através de ensinamentos de vida. “Um filho é alguém que será diferente de seus pais, com história e desejos próprios e que não existem para satisfazer necessidades infantis ou até adultas desses pais”, defende. “Bons educadores e bons pais reconhecem na individualidade de cada criança as especificidades e características de personalidade do adulto que está em formação e não o que queria que tivesse sido sua infância ou sua vida”, afirma o especialista.

Saadeh recentemente foi consultado pela empresa Hasbro sobre o tema brincar, para o desenvolvimento de uma campanha que mostra os benefícios para meninas e meninos ao brincar de boneca. Para quem tem interesse no tema, ele indica os filmes Precisamos falar sobre Kevin, de Lynne Ramsay, Minha vida em cor de rosa, de Alain Berliner, Pelle, de Bille August, e Tomboy, de Céline Sciamma. Assista com seus filhos.

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